A GUERRA SANTA DE ALCKMIN CONTRA OS ESTUDANTES DE SÃO PAULO.
A Guerra Santa de Alckmin contra os estudantes de São Paulo.
Renato Guimarães - Huffpost Brasil,
O governo Alckmin declarou guerra aos estudantes que ocupam escolas públicas deSão Paulo. Isto não chega a ser novidade, mas pela primeira vez foi registrado e revelado em alto e bom som pela equipe dos Jornalistas Livres.
A retórica bélica apresentada por Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete do secretário de Educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, no dia 29 de novembro, mostra o grau de desconexão com a realidade em que vive o governo estadual.
A impressão que se tem é que Alckmin & Cia Ltda estão em uma espécie de cruzada para mostrar aos estudantes quem é que manda.
Para isso, deixam claro que não desistirão de impor a ferro e fogo seu projeto de "reestruturação" das escolas públicas.
Como disse Fernando Padula no já mencionado áudio:
"Estamos no meio de uma guerra. Temos de nos preparar para continuar enfrentando... Eventualmente a gente perde algumas batalhas, mas temos de nos preparar para ganhar a guerra final. Pra isso a gente precisa parar um pouco e traçar algumas estratégias."
A "estratégia de guerra" do governo para quebrar a resistência dos estudantes teria quatro elementos táticos principais:
1. Ida da equipe da Secretaria de Educação às escolas para impor a presença física de representantes do governo, com a Secretaria de Segurança "dando retaguarda";
2. Ação ao longo da semana para tachar o "outro lado", ou seja, os estudantes, como intransigentes. Isso incluiria até convocar "audiências públicas". Coincidentemente, o Fantástico exibiu uma reportagem no domingo (29) sobre a ocupação das escolas na qual o tom foi exatamente este. Parecia ter sido editada pela Secretaria de Comunicação do governador Alckmin;
3. Consolidar a reorganização, concentrando-se nas escolas menos "problemáticas" e pegando um ou outro caso "emblemático" para forjar alguma solução pontual, sem abrir mão do processo. Aliás, o decreto autorizando a transferência de professores das escolas que serão "reestruturadas" foi publicado. Com isso, o governo deixa claro que não vai negociar;
4. Pegar pesado para desqualificar o movimento de ocupação como "político" e "partidarizado", aumentando o que chamam de "dialogômetro", a lista de "oportunidades de diálogo" forjadas pelo governo versus a denúncia de "infiltração" do movimento por agentes políticos, como o Sindicato dos Professores da rede estadual (Apeosp).
Sobre esse último ponto, falou-se até no uso da polícia para registrar os carros próximos ou dentro das escolas ocupadas.
Segundo Fernando Padula, o próprio arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, teria sugerido que o governo estaria perdendo a "guerra de informação" contra um movimento que, segundo ele, teria sido criado para "desviar o foco de Brasília."
Áudio vazado pelos Jornalistas Livres da reunião promovida pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.
O governo Alckmin entra, assim, na onda das gravações que mostram os intestinos do poder. Em condições normais, essa conversa teria ficado restrita ao submundo em que as autoridades urdem suas maquinações para fazer valer seus interesses.
Do ponto de vista pedagógico, a revelação serve para consolidar o que já se sabe: o governo estadual está em guerra. Ou seja, a conversa fiada sobre "diálogo" e "dialogômetro" é isto: uma conversa fiada.
Um exército disposto a vencer o inimigo não "dialoga".
O uso, portanto, desse conjunto de metáforas bélicas expõe a essência do governo Alckmin que, em sua cruzada, conta até com a benção da autoridade eclesiástica.
Mais "metafórico", impossível.
Gerenciando percepções públicas
A coisa vai mais longe. As estratégias apontadas por Fernando Padula são elementos típicos de um conjunto de táticas que nos anos 90 se consolidaram ao redor do conceito de "gerenciamento de percepção" (perception management).
Esse conceito foi estruturado a partir do trabalho feito pelo relações públicas John Rendon, fundador do Rendon Group, para ajudar o governo Bush a convencer a opinião pública americana e mundial sobre a necessidade de bombardear e invadir o Iraque no contexto da "guerra contra o terror".
A história de John Rendon está muito bem contada no artigo "The Man Who Sold the War", publicado pela revista Rolling Stones em novembro de 2005.
A formidável rede de mentiras e meias-verdades que ele ajudou a criar e que gerou as condições de apoio público a uma invasão ao Iraque acabou inspirando a trama de fundo do filme Zona Verde, estrelado por Matt Damon.
Desde sempre havia dúvidas sobre a lógica da invasão ao Iraque, na medida em que os inimigos da Al-Qaeda estavam nas montanhas do Afeganistão e do Paquistão e o ditador Saddam Hussein aparentemente não tinha a nada a ver com o bombardeamento das Torres Gêmeas.
O que se viu foi uma sofisticada operação para transformar Saddam no inimigo público número 1 do mundo.
Essa operação passava necessariamente por convencer a opinião pública do risco oferecido pelo ditador para que esta aceitasse e apoiasse uma intervenção que era claramente ilógica do ponto de vista estratégico e militar e que se sustentava em premissas que aparentavam desde o início estar erradas, para dizer o mínimo.
O gerenciamento de percepção incluiu um trabalho intenso com órgãos de mídia, a produção constante de notícias, relatos e relatórios fortalecendo a visão negativa sobre Saddam, registros falsificados sobre a existência das famosas "armas de destruição de massa", que nunca foram encontradas, e por aí vai...
Todas essas ações típicas de contrainformação já eram realizadas antes, mas agora estavam codificadas sob a doutrina do gerenciamento de percepção.
A premissa era o reconhecimento da necessidade cada vez mais estratégica de gerar ondas de indignação e apoio públicos, indispensáveis para justificar ação das autoridades que, em situações normais, não seriam aceitáveis.
Uma aula prática de gerenciamento de percepções aplicado à situação de São Paulo foi a sequência de reportagens transmitidas por todos os jornais da TV Globo durante todo o dia 1º de dezembro sobre o suposto vandalismo de alunos que ocupavam a Escola Estadual Coronel Antonio Paiva de Sampaio, em Osasco.
Em nenhuma das mais de 200 escolas ocupadas, foi registrado nenhum caso de baderna. De repente, dois dias depois da revelação dos áudios falando sobre a guerra contra os estudantes, acontece a tal "depredação".
E quem surge dando entrevista? Justamente Fernando Padula dizendo que aquilo não era coisa de alunos, mas de "movimentos políticos que visam fazer a destruição do patrimônio público".
Vem a diretora da escola falando em furto de equipamentos. Juntam-se imagens do protesto de alunos que haviam bloqueado a Faria Lima, causando um "enorme engarrafamento". E por aí vai...
Reportagens que caíram como uma luva para a estratégia do governo de demonizar o movimento dos estudantes.
O que os estudantes podem fazer para enfrentar esta guerra declarada pelo governo Alckmin?
Na minha opinião, devem continuar se comunicando diretamente com a população, contando eles mesmos suas histórias, usando os recursos que a comunicação em rede lhes oferece e que sabem usar tão bem.
Quem está em guerra é o governo, não eles. Quem usa recursos e táticas bélicas é o governo, não eles. Isso tem de ficar claro para a população.
Eu também dosaria muito as entrevistas para a mídia tradicional. O risco de qualquer reportagem servir para reforçar as táticas de gerenciamento de percepção do governo estadual são muito grandes, tal como ficou demonstrado pela citada reportagem do Fantástico.
Em vez disso, acho que devem seguir falando diretamente com as pessoas, filmando e compartilhando suas rotinas e ideias, armando hangouts, tweetando, facebookando, armando aulas públicas e outras formas de debate direto.
No mais, usando uma metáfora que o governo Alckmin deve conhecer muito bem, o bom combate está sendo combatido pelos estudantes. É o governo do estado que fala em guerra.
O seu combate é o combate do mal, da hipocrisia, do autoritarismo, da indiferença ao verdadeiro diálogo.
Deus está vendo, governador Alckmin!
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