Traços do sistema político brasileiro.
A chantagem / desculpa da governabilidade.
Francisco Ferraz no Política para Políticos,
Desde o insucesso do governo Collor tornou-se uma verdade absoluta a convicção da imprescindível necessidade de maioria parlamentar para governar. Como em outras situações da vida, de tanto abusar do remédio o paciente morre de envenenamento!
Ninguém negará a importância de um governo contar com maioria parlamentar para aprovar seus principais projetos. Este é o remédio que universalmente é adotado pelas democracias. Buscar essa maioria a qualquer preço e fundá-la numa relação de clientelismo com os parlamentares de diferentes partidos, é o veneno em que o remédio se transforma.
Em consequência, “comprar” este apoio mediante transferência de recursos para parlamentares e partidos (tipo mensalão) e entrega de cargos na administração pública direta e indireta, tem graves consequências. Entre outras:
- A necessidade de satisfazer a todos os interesses e não contrariar ninguém dá origem ao loteamento do governo;
- O loteamento do governo implica necessariamente na inversão de critérios para seleção de quadros, privilegiando-se critérios políticos aos de qualificação técnica;
- Governar transforma-se num cansativo e interminável exercício de busca do mínimo denominador comum entre os parceiros de governo, sempre no limite da paralisia decisória e do impasse institucional;
- Por via dessa macro cooptação, a estrutura governamental adquire a condição de máximo de representatividade parlamentar ao preço do mínimo de capacidade decisória. Setores aliados insatisfeitos sempre dispõem de um poder de veto, sobre matérias com as quais não concordam;
- Em períodos de restrições econômicas essa condição leva à paralisia decisória; em períodos de maior prosperidade leva à “política do sim”, na qual a “folga econômica” passa a ser dissipada no aumento dos gastos públicos, e no atendimento das reivindicações de setores sociais do tipo “linha auxiliar” do governo;
- O governo que emerge dessa estrutura gelatinosa, precisa dar espaço a todos que conseguiram aderir, passando então a ser o polo de atração irresistível para tudo e para todos: iniciativa privada, governos, parlamentos estaduais e municipais, mídia, criando inúmeras e atraentes oportunidades para a corrupção;
- Investimentos que produzem retornos políticos de curto prazo, sempre serão preferidos, àqueles de natureza infra estrutural que, por mais necessários que sejam, não produzem retornos políticos imediatos.
* Francisco Ferraz é Professor de ciência política na UFRGS, pós-graduado em ciência política pela Universidade de Princeton. Foi reitor da UFRGS (1984-1988). Editor responsável de "Brasil Político" relatório mensal de análise da política brasileira de 1991 a 1994 e editor responsável pela letter diária sobre política brasileira (1994-2001). Possui larga experiência como diretor de pesquisa e estrategista de campanhas eleitorais municipais, estaduais e federais no Brasil e na Argentina.
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