Rodoanel Norte, uma ameaça à Serra da Cantareira

Nabil Bonduki,
O projeto de implantação do Rodoanel Norte tem gerado muita polêmica, com a oposição de entidades, movimentos e moradores das regiões afetadas, além de ambientalistas. As audiências públicas realizadas em vários municípios revelaram um forte descontentamento com a proposta. Em São Paulo, praticamente todos se posicionaram contra a obra, da maneira que está sendo planejada. Os eventos reuniram milhares de pessoas.
O traçado proposto pelo governo do Estado ameaça a Serra da Cantareira que, em 1994, foi declarada pela Unesco uma Reserva da Biosfera, com status de Patrimônio da Humanidade. A floresta da Cantareira, com cerca de 80 km², em grande parte dentro do Parque Estadual da Cantareira, é hoje uma das maiores florestas urbanas do mundo. Além disso, corta regiões povoadas, afetando moradores da Zona Norte da capital paulista e dos outros municípios. Por isso, tantos estão lutando pela alteração do traçado ou até mesmo pelo cancelamento da obra.
Além do forte impacto sobre a serra, o Rodoanel Norte deverá gerar o despejo de moradores e a desapropriação de imóveis utilizados para moradia. Apenas em Guarulhos, segundo a prefeitura, cerca de 1,2 mil famílias serão despejadas de suas casas e cerca de 4 mil ficarão isoladas pela obra viária. O Rodoanel passará sobre um reservatório de água no bairro Bananal e por uma estação de tratamento de esgoto no Cabuçu. Em São Paulo, além de um grande número de deslocados – há divergência sobre os números, que poderão ultrapassar cinco mil famílias – quatro escolas deverão ser demolidas, com enorme impacto social. Algumas mudanças mais recentes no traçado podem ter alterado esses números, mas não a essência do problema.
O traçado proposto desrespeita o Plano Diretor Estratégico e atravessa um trecho da Área de Proteção Integral definida em seu Macro-Zoneamento. Teme-se que o governo, por economia, acabe por transformar trechos que seriam abertos em túnel em uma via aberta, com maiores impactos ambientais, o que não pode ser admitido.
Do ponto de vista do planejamento, no entanto, a questão deve merecer uma reflexão mais profunda enquanto se discute as necessárias compensações socioambientais e os seus custos. Antes de mais nada, deve-se avaliar, em um amplo debate público, se o Rodoanel Norte é uma obra prioritária.
O trecho norte do Rodoanel está orçado em 5,8 bilhões de reais, mas, como a grande maioria das obras públicas, deverá custar muito mais do que o previsto. É inadmissível gastar essa quantidade de recursos públicos, em uma cidade com tanta carência na área de mobilidade, sem que exista um plano viário e de transportes que demonstre, efetivamente, a prioridade da intervenção, que tanto impacto negativo deve causar, em relação a outras alternativas.
O fato é que o Rodoanel está dando continuidade à tradicional opção pelo automóvel que desde os anos 1940 predomina em São Paulo. Embora anunciado e divulgado como uma intervenção que visa retirar caminhões que entram desnecessariamente em São Paulo, os dados mostram que estes eram apenas 14% dos que se dirigiam para a cidade antes da inauguração do Rodoanel Oeste. No caso do trecho norte, essa porcentagem é muito menor: apenas 6%. O número é baixo por uma razão muito simples: as rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Dutra, Fernão Dias e Ayrton Senna já estão interligadas pela Rodovia Dom Pedro I, entre Campinas e Jacareí, de modo que os caminhões que vêm do interior e se dirigem ao Vale do Paraíba, Minas Gerais e Rio de Janeiro têm uma boa alternativa. Ademais, existem outras ligações perimetrais na região, como a ligação entre Franco da Rocha e Mairiporã. Essas estradas podem ser melhoradas e ampliadas a um custo financeiro, social e ambiental muito inferior do que o do Rodoanel Norte. Por outro lado, quem vem do interior e se dirige ao litoral pode utilizar os trechos oeste e sul, como, aliás, já se está fazendo. E quem sai do litoral e se dirige ao Rio de Janeiro e Minas Gerais pode utilizar a Avenida Jacu-Pêssego e, no futuro, o Rodoanel Leste, cuja implantação é menos polêmica.
São Paulo precisa, antes de mais nada, alterar seu padrão de mobilidade, investindo fortemente em transportes coletivos de modo a torná-lo mais competitivo em relação ao deslocamento por automóveis. Não seria prioritária a implantação de linhas perimetrais de transporte coletivo em corredores exclusivos nas marginais e no próprio Rodoanel? Por que não investir no Hidroanel, conforme proposta desenvolvida por pesquisadores da FAU-USP? Além disso, a proposta do Ferroanel poderia gerar uma nova lógica no desenvolvimento metropolitano. São ideias que poderiam estar presentes no Plano Diretor Metropolitano que o prefeito Fernando Haddad propôs no Conselho Metropolitano nessa semana.
Caso se continue a investir na ampliação da malha viária sem priorizar corredores de ônibus, metrô, trens metropolitanos e hidrovias, o círculo vicioso – mais vias, mais carros, mais vias, mais carros – nunca terá fim. O debate sobre o Rodoanel precisa ser debatido nestes termos, pois a capacidade de financiamento do desenvolvimento urbano é finita.
O Rodoanel Norte, além de ser uma prioridade discutível, trará impactos socioambientais enormes, aspecto que está mobilizando moradores diretamente afetados e os ambientalistas que defendem a Serra da Cantareira. No entanto, o debate dessa obra precisa ser feito por toda a população metropolitana, pois o que está em jogo é o futuro da região como um todo.
Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, doutor em Estruturas Ambientais Urbanas e livre-docente em planejamento urbano, é professor na FAU-USP e vereador em São Paulo pelo PT. Foi relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo.
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