Países buscam mecanismos para se defenderem de transnacionais

Segundo governos, tribunais favorecem multis e penalizam países até invertendo sentenças
alison brady
Fotografia surrealista de Alison Brady
Leonardo Wexell Severo da CUT na Caros Amigos,
Criar um novo mecanismo de coordenação regional para a defesa conjunta dos interesses dos países da América Latina nos processos de arbitragem internacional interpostos por empresas estrangeiras. Esta foi a principal decisão da “1ª Conferência Ministerial dos Países Latino-americanos Afetados por Interesses das Transnacionais”, ocorrida segunda-feira (22) em Guayaquil, Equador.
A preocupação procede. A América Latina concentra a maior quantidade de processos ilegais e arbitrários contra uma região, sendo que Argentina, Venezuela, Equador, México e Bolívia acumulam 27% do total de casos no mundo.
Plano de Ação
No encontro, representantes de 14 países – entre eles Argentina e Uruguai - delinearam um plano de ação em defesa da soberania dos estados nacionais frente aos contínuos abusos praticados pelos tribunais de arbitragem internacionais que, aproveitando-se dos tristemente célebres Tratados Bilaterais de Investimento (TBI), têm imposto os interesses dos “investidores”.
Texaco-Chevron
Num dos tantos exemplos de afronta à legislação citados está o caso da multinacional Texaco, que entre os anos 1970 e 1990, provocou imensos estragos ecológicos no campo de Lago Agrio, no Equador, com sua exploração predatória. Para economizar, a multinacional despejou, sem qualquer tratamento, mais de 16 bilhões de lixo tóxico nos rios e córregos da região, contaminando mais de 30 mil moradores da área, multiplicando os casos de câncer, leucemia, aborto, anomalias congênitas e doenças crônicas. O processo judicial teve início na Justiça Federal dos Estados Unidos, em 1993, e acabou sendo transposto para o Equador em 2003, a pedido da Chevron, sucessora da Texaco, que via no governo neoliberal de então um possível anteparo aos seus crimes. Mas, uma vez que o governo mudou e a decisão equatoriana foi desfavorável à multinacional, condenada a pagar uma indenização de US$ 19 bilhões, a Chevron passou a questionar a “competência” e a “lisura” da Justiça equatoriana para julgar o caso.
Inversão de Valores
No dia 7 de fevereiro deste ano, um tribunal internacional de arbitragem emitiu uma sentença em que conclui que o Equador “violou” as sentenças provisórias emitidas anteriormente - com base em um Tratado de Investimento Bilateral firmado com os Estados Unidos -, por não haver impedido a tentativa de execução da sentença judicial de US$ 19 bilhões contra a Chevron Corp. Cúmulo dos cúmulos, o tal “Tribunal” considerou o Equador culpado por ter violado o TIB e tentar buscar que a Chevron pagasse pelos seus crimes. Há quase um ano, o “Tribunal” emitiu uma Segunda Sentença Provisória ordenando a República do Equador - e todos os seus poderes, incluindo o Judiciário - a tomar todas as medidas necessárias para evitar a execução e o reconhecimento da sentença de Lago Agrio, tanto dentro como fora do país.
Regulação
“Estamos ao lado do Equador e de boa parte dos países da Unasul, ao propor a criação de uma instância própria da União de Nações Sul-americanas sobre regulação e tratamento de investimentos estrangeiros”, declarou o chanceler venezuelano Elías Jaua, frisando que as multinacionais só respeitam governos que mostram firmeza na defesa dos interesses de seus povos.
Elías Jaua expressou o profundo mal estar causado pelos TBIs que, na verdade, “não servem para atrair investimento estrangeiro, mas para submeter nações soberanas”. Por isso, sublinhou, desde 2012 a República Bolivariana vem denunciando o Centro Internacional de Ajuste de Diferenças Relativas a Investimentos (Ciadi), por favorecer permanentemente às transnacionais.
Ofensa
“Tivemos graves problemas com as transnacionais porque quando estas descumprem os compromissos assumidos, e os estados têm que terminar os contratos, nos submetem a uma arbitragem. Isso é uma ofensa e por isso estamos aqui reunidos, para colocar a casa em ordem”, enfatizou o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño. O diplomata esclareceu que o investimento estrangeiro é bem-vindo, sempre que “respeite as leis, que venha para complementar o investimento nacional, que tenha disposição de transferir tecnologia, que consuma produtos nacionais e gere desenvolvimento”.
Enfrentamento
Destacando a importância de políticas comuns para o enfrentamento coletivo ao problema, Patiño explicou a postura adotada pelo país: “Na última década foi quando nasceram a Alba, Celac, Unasul, o Banco do Sul, o Sucre e muitas conversações entre nossos estados, que decidiram caminhar com nossos próprios pés para avançar a nossa independência política. Um dos âmbitos é este: a relação com as transnacionais”.
Frente a tamanhos atropelos, os participantes decidiram constituir um Comitê Executivo para “planejar e executar ações de apoio mútuo nos âmbitos político e jurídico”, coordenar “a defesa conjunta das ações jurídicas através de equipes legais internacionais de especialistas e advogados profissionais”, e “planificar estratégias de comunicação, como oposição às campanhas globais empreendidas pelas empresas transnacionais”. Também será criado um “Observatório Internacional” para apoiar aos estados demandados e difundir publicamente a situação de litígios, identificando procedimentos que permitam “auditar, avaliar e monitorar a ação dos tribunais internacionais de arbitragem em matéria de investimentos”.
Prejuízo à Soberania
Vários dos representantes governamentais expuseram suas experiências sobre os valores que precisaram desembolsar às transnacionais devido às demandas interpostas em instâncias internacionais e que, finalmente, prejudicaram a soberania – e a economia - dos seus países.
Um dos mecanismos propostos, no qual atualmente já estão trabalhando os países da Unasul, é a criação de um Centro de Controvérsias regional, com o objetivo de garantir equidade na defesa dos interesses das partes, algo que é anulado pelo TBI.
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