Teologia da prosperidade, mobilidade social e consumo
Substituindo os antigos comícios por cultos religiosos:
Pastor Marcos Galdino, Celso Russomano, Luiz Flávio D’Urso e Renato Galdino em culto no templo da Assembleia de Deus Ministério Santo Amaro
Instituto Humanitas Unisinos
As eleições na maior metrópole brasileira e na mais cosmopolita cidade do país indicam a confluência de dois fenômenos: a grande transformação do campo religioso brasileiro em curso nas últimas décadas e a mobilidade social de expressivos setores populares ocorrida nos últimos anos.
Essa confluência não é reta e direta, é antes de tudo tortuosa e complexa; arriscamo-nos, porém, afirmar que os dois fenômenos ajudam a compreender o que acontece na disputa eleitoral em São Paulo.
Celso Russomanno, uma das grandes surpresas das eleições 2012, é de certa forma o amálgama desses dois fenômenos. Por um lado, parte expressiva da sua força eleitoral vem de sua ligação com as igrejas pentecostais e, por outro, de sua trajetória de "patrulheiro do consumidor" construída em mais de duas décadas em programas televisivos. Há certa simbiose entre a teologia da prosperidade, a mobilidade social alavancada pelo consumo e o candidato “xerife do consumidor”.
A interpretação da transformação do campo religioso brasileiro e a ligação dessa grande transformação com as eleições de São Paulo podem auxiliar na explicação do “fenômeno” Russomanno.
A grande transformação do campo religioso brasileiro
O Censo 2010, recentemente publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE indica uma grande transformação do campo religioso brasileiro. A tendência dessa transformação é explicada pelo professor Faustino Teixeira do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF em entrevista à revista IHU On-Line dedicada ao tema.
Diz ele: “Com respeito ao censo de 2010, algumas tendências se evidenciaram, como a diminuição dos católicos, que caíram de 73,6% para 64,6% e o crescimento dos evangélicos, sobretudo pentecostais, que passaram de 15,4% para 22,2%. Numa população de 190,7 milhões de pessoas, os católico-romanos somam 123,2 milhões e os evangélicos 42,2 milhões, dos quais 25,3 milhões de origem pentecostal. Verificou-se ainda na última década um aumento percentual dos sem religião, mas um pouco abaixo do esperado, de 7,4% para 8,0% (15,3 milhões)”.
Quais são as características dessa grande transformação do campo religioso brasileiro em curso? Os pesquisadores entrevistados pela IHU On-Line destacam que é ainda é cedo para prognósticos mais claros. Algumas tendências, entretanto, se manifestam. Uma delas é que o “trânsito religioso” tem uma direção: as religiões neopentecostais. Faustino Teixeira valendo-se dos dados do Censo destaca que “o crescimento pentecostal no Brasil é mesmo espantoso, embora se perceba um traço de pulverização, em razão das constantes divisões ocorridas em seu meio e da criação de novas igrejas a cada momento e nos espaços mais exíguos”.
O pesquisador comenta que algumas igrejas pentecostais históricas, como a Assembleia de Deus, “mostram um inaudito vigor, com presença em todos os cantos do país”. Segundo ele, “é a igreja evangélica de denominação pentecostal mais numerosa, contando hoje com 12,3 milhões de adeptos, seguida pela Congregação Cristã do Brasil, com 2,2 milhões de fiéis”.
Olhando para a mobilidade religiosa e o crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais, percebe-se que em São Paulo o candidato Celso Russomanno já tem o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD, da Assembleia de Deus, da Igreja Renascer e está próximo de ganhar o apoio da Igreja Mundial do Poder de Deus - IMPD. Essas Igrejas estão entre as pentecostais que mais concentram fiéis.
Outra característica do “trânsito religioso” afirma Cecilia Loreto Mariz é que “os dados apontam que há pentecostais em todas as camadas sociais”. Todavia, diz a professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, “tem havido sempre uma relativa predominância entre as menos abastadas e relativamente menos instruídas”. Em sua opinião, “vários fatores podem explicar essa relação como os menos privilegiados. Essas igrejas propõem um caminho garantido e rápido de mudança de vida, que é o que procuram todos que estão em situação de maior penúria. Uma linguagem direta e simples, de defesa de acesso de todos à palavra, aos bens materiais, intelectuais e espirituais, também atinge os que têm menos instrução”. Isso explicaria que entre as pentecostais, a que mais cresce é a Igreja Mundial do Poder de Deus – IMPD fundada pelo ex-bispo iurdiano Valdemiro Santiago.
Observe-se, porém que o “trânsito religioso” para o pentecostalismo não atrai apenas os pobres. O pesquisador Leonildo Silveira Campos, na entrevista à IHU On-Line, conta que as pessoas atraídas, por exemplo, pela pregação da IURD não aparentam ser de classes sociais paupérrimas. Segundo o professor da Universidade Metodista de São Paulo, “os muito pobres são mais facilmente atingidos pela pregação dos milagres e prodígios”. Nessa perspectiva, destaca que “a Igreja Mundial, Igreja do Evangelho Quadrangular ou a Deus é Amor levam vantagem nessas camadas sociais mais pobres onde a IURD perde a competitividade”. Essas observações são importantes para dar relevo ao fato de que as pentecostais não são iguais como muitos pensam.
A relação economia – religião na linha da teologia da prosperidade cultivada pelas pentecostais é comentada pelo sociólogo das religiões Pedro Ribeiro. Em entrevista do IHU, ele diz “há religiões que combinam melhor com a cultura capitalista. E de fato, o protestantismo, como demonstra Max Weber, combina bem com o espírito capitalista”.
Na opinião do sociólogo, “o catolicismo tem essa dificuldade com o capitalismo. O catolicismo, na sua expressão mais oficial, romana, está muito mais ligado a uma sociedade do tipo medieval e que preza mais a permanência do que a mudança, a evolução e a modernização. O protestante tem uma afinidade de que é preciso mudar, é preciso transformar, é preciso ir adiante. E o católico, quanto menos mexer, melhor será. De modo que essa questão da concorrência, a questão de acumular dinheiro não combina bem com o jeito católico de ser. Combina bem com a tradição protestante, e foi muito bem retomada pelo pentecostalismo”.
Note-se que em São Paulo, o candidato Celso Russomanno penetra bem em setores pobres, mas tudo indica que a sua força maior está na emergência da nova classe média resultante do crescimento econômico dos últimos anos. O cruzamento dessas dinâmicas, particularmente no seio do pentecostalismo é uma das razões da alavancagem da candidatura Russomanno.
Nova classe média e novas demandas “políticas” associadas ao consumo
É interessante aqui a análise de Vladimir Safatle. Para o filosofo, “o fenômeno Celso Russomanno poderia ser colocado na conta da inquebrantável tradição do populismo conservador paulistano. Tradição que já deu para a cidade prefeitos como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf (com suas emulações tecnocratas, Pitta e Kassab). Políticos conservadores que, cada um à sua maneira, encontraram alguma forma de se colocar como caixa de ressonância dos medos populares”.
Porém, diz Safatle, “é provável que seja necessária uma variável a mais para compreendermos um fenômeno eleitoral sobre o qual todos, até agora, quiseram acreditar que era transitório. Pois se existe alguma coisa em Russomanno que nos remete aos arcaísmos de São Paulo, há algo que deve ser compreendido em outra chave. Na verdade, ele é uma expressão mais bem-acabada de um certo conservadorismo pós-lulista ou, se quisermos, um conservadorismo que aparece como filho bastardo do lulismo”.
De acordo com o filósofo, “entre outras características, o lulismo definiu-se pela aliança política de setores da esquerda brasileira e alas de políticos conservadores à procura de sobrevida ou em rota de colisão com a hegemonia PSDB-DEM. Tal aliança permitiu, por um lado, a constituição de um sistema de seguridade social de extensão até então inédita no Brasil. Por outro, ela consolidou a ascensão econômica de largas parcelas da população brasileira por meio, principalmente, da ampliação das possibilidades de consumo”.
Note-se diz Safatle “que tal ascensão econômica, com seu consequente sentimento de cidadania conquistada, não passou pelo acesso a serviços sociais ampliados e consolidados em sua qualidade. Afora a importante expansão das universidades federais, ascensão significou poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e frequentar universidade privada. Ou seja, os direitos da cidadania foram traduzidos em direitos do consumidor”.
Nesse contexto, conclui ele, “nada mais compreensível do que um pretenso ‘patrulheiro do consumidor’ aparecer como representante dos anseios da nova classe média. Para quem alcançou a cidadania por meio do consumo (animado por uma igreja que é a representante maior da teologia da prosperidade), a defesa dos direitos segue a lógica do Procon”.
Outra característica das religiões pentecostais vis a vis ao processo eleitoral é o forte uso da mídia. Todas elas, particularmente as neopentecostais fazem uso intenso da TV, mas não apenas. Leonildo Silveira Campos, fala também do uso das mídias digitais, com os cultos e práticas religiosas podendo ser realizados cada vez mais pela internet. O pesquisador avalia que há um crescente número de evangélicos que não mais se adapta às estruturas burocráticas (que exigem arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem limitar a frequência aos cultos a alguns dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou até fazendo parte do que temos chamado de “paróquia virtual”, praticando uma religiosidade evangélica na rede mundial de computadores. “Como prova disso, aumenta o número de igrejas que transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao agradecimento pelas visitas presenciais e invocando uma bênção especial para os que acompanham o culto virtualmente”.
Relacionando a importância das mídias com as eleições é interessante observar o comentário do presidente do PRB e ex-vice-presidente da Record ouvido pelo jornalista Nélson de Sá: “O presidente do PRB, Marcos Pereira, ex-vice-presidente da Record, tem uma explicação melhor (para o sucesso de Celso Russomanno), que supostamente ouviu de Lula: para ter chances, um candidato precisa de partido forte, muito dinheiro ou rede de televisão. Com dois, já dá para vencer”.
A grande transformação do campo religioso brasileiro revela, aos poucos, portanto, algumas características que ainda carecem de aprofundamento, mas que já se fazem visíveis e quando cotejadas às eleições, particularmente no caso de São Paulo, não explicam em sua totalidade, mas contribuem para a compreensão do fenômeno Russomano: 1) “trânsito religioso”; 2) aumento do pentecostalismo e queda das confissões tradicionais; 3) os pentecostais estão em todas as camadas sociais acompanhando a mobilidade social dos últimos anos; 4) o discurso religioso da prosperidade e campanhas de cura, libertação espiritual e milagres continua sendo forte fator de adesão; 5) a “igreja mídio-eletrônica” joga papel importante na disputa de público.
Sobre a grande transformação do campo religioso brasileiro é importante observar que o trânsito religioso está para mais além e não se resume às características citadas anteriormente. A multipluralidade de opções de conteúdos de sentido e/ou de fé, de crer e de viver o que se acredita ou ainda procura de determinada espiritualidade estão associados a uma mudança de caráter mais amplo e que dever ser compreendidas no contexto ético-cultural da sociedade denominada de pós-moderna. As características enumeradas anteriormente de forma incompleta visam sobretudo compreender o lado mais visível das mudanças em curso na sociedade brasileira tendo como referências as instituições religiosas.
Recomendamos aqui para uma interpretação mais ampla da transformação do campo religioso brasileiro, a leitura da revista IHU On-Line n. 400, intitulada “A grande transformação do campo religioso brasileiro”.
Russomano
O candidato preferencial das pentecostais contrariando prognósticos anteriores e a menos de um mês das eleições, Celso Russomanno do PRB está deixando para trás forças política expressivas como o PSDB de José Serra e o PT de Fernando Haddad.
Uma das forças de alavancagem da candidatura de Russomanno são as igrejas pentecostais e neopentecostais. Como destacado anteriormente, o candidato do PRB já tem em sua campanha o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus do bispo Edir Macedo, o apoio da Assembleia de Deus, da Igreja Renascer e está próximo de ganhar o apoio da Igreja Mundial do Poder de Deus do apóstolo Valdemiro Santiago.
Registre-se que o partido de Russomanno , o Partido Republicano Brasileiro – PRB é fortemente vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus. Embora a campanha de Russomanno tente desvinculá-lo da Universal, não apenas os coordenadores da candidatura são ligados à igreja, como todos os principais líderes do PRB são bispos ou pastores licenciados. Sete dos nove deputados do partido na Câmara dos Deputados são da Universal, bem como o único senador da legenda, bispo Eduardo Lopes (PRB-RJ). O ministro da Pesca, bispo Marcelo Crivella, além de integrante da Universal e sobrinho de Edir Macedo também é do PRB. Na última semana, o coordenador da campanha de Celso Russomanno, Marcos Pereira, presidente do PRB, admitiu que a Igreja Universal do Reino de Deus apoia o candidato.
Outra igreja pentecostal que aderiu à campanha de Russomanno é a Assembleia de Deus, a mais antiga, forte e enraizada das igrejas pentecostais. A Assembleia de Deus é incisiva em seu apoio ao candidato do PRB. "Ao término do culto, os pastores orientarão os fiéis a não apenas votar, mas conseguir votos para o nosso candidato", diz o pastor Renato Galdino, que se apresenta como coordenador político da congregação. "O objetivo de cada pastor é trazer no mínimo 100 votos para o Celso”, afirma ele.
Uma amostra do engajamento da Assembleia de Deus pode ser visto nesse final de semana na Assembleia de Deus Ministério em Santo Amaro na zona sul de São Paulo. Com a presença de candidato, pastores pediram voto para Russomanno no culto. "Leve esse nome, Celso Russomanno, para mais 100 pessoas, para que possa assumir essa grande cidade de São Paulo. Me dê esse presente. Vamos apostar em mudança", disse o pastor Marcos Galdino. Ele também pediu que os fiéis dessem dez abraços em pessoas que estavam ao lado - enfatizando o número do candidato.
O pastor Marcos Galdino, não esconde a mágoa com antigos aliados. Apoiou Kassab em 2008 e Serra em 2004, "Somos 'amigos'", diz o pastor, desenhando no ar as aspas. "Mas, para estes, só na hora do voto! Depois já não sabemos." Sem falsa modéstia, ele sabe que seu apoio tem tanto peso quanto o corpo robusto. "Eu elegi Kassab e Serra! Agora vou botar o Russomanno na Prefeitura”, afirmou.
A Igreja Mundial do Poder de Deus é outra que está prestes a embarcar na candidatura de Russomanno. Dissidência da Igreja Universal criada pelo ex-bispo e ex-iurdiano Valdemiro Santiago em 1998, a Igreja Mundial é hoje a denominação neopentecostal que mais cresce no país. Com quase 4 mil templos e compra de espaços televisivos - são 22 horas diárias de transmissão de cultos –, a Igreja adota uma postura agressiva e pratica uma religião ancorada em campanhas de cura, libertação espiritual e milagres.
A explicação do porque do apoio da Igreja Mundial à Russomanno, um candidato ligado a sua maior rival é dada pelo pastor Ronaldo Didini ex-homem forte de Edir Macedo. É ele quem negocia pela igreja o apoio ao candidato do PRB. "O segmento evangélico em São Paulo tem hoje uma bandeira forte que é a isenção de alvará para funcionamento de templos”, afirma o pastor Didini.
A questão do alvará é central para a Igreja Mundial, que só em 2012 teve mais de 80 templos fechados em São Paulo. "Concessão de alvará para igreja no Brasil é instrumento de corrupção e de manipulação política. É sempre usado como instrumento de barganha em época de eleição", diz o pastor. Didini argumenta que, no Rio de Janeiro, as igrejas não precisam de alvará para funcionar. Bastam os laudos do Corpo de Bombeiros e do Conselho Regional de Engenharia atestarem que o local é seguro para a realização de eventos. "É diferente de um comércio, onde você está para gerar lucro. As igrejas têm um papel social extremamente relevante. Não se pode pedir alvará de um templo como se pede de um shopping", argumenta.
Tendo presente a importância dessa reivindicação da Igreja Mundial do Poder de Deus e numa tentativa de puxar o seu apoio à candidatura de José Serra, faz poucos dias a Câmara Municipal paulistana aprovou em primeiro turno projeto do prefeito Gilberto Kassab (PSD) que extingue uma rua engolida pela construção de um templo da Igreja Mundial. A aprovação do projeto é vista por vereadores que compõem a aliança de José Serra (PSDB) como o argumento definitivo para convencer o apóstolo Valdemiro a anunciar apoio à candidatura do tucano a prefeito.
Didini, porém, é abertamente contrário a uma aliança com Kassab ou Serra e questiona. "Por que somente agora, época de eleição, há este 'comprometimento' da prefeitura, se tal reivindicação existe há três anos e a igreja cumpriu todos os trâmites legais para a realização das obras no imóvel? Você não vê a mão do Serra em um projeto que defenda o segmento evangélico", diz o pastor. Didini é convicto do “peso” que joga a Igreja numa campanha: “O pastor que veste a camisa faz explodir de votos", garante.
A forte vinculação de Russomanno com as igrejas pentecostais criou certo problema para a sua campanha. O candidato estaria sendo identificado como “candidato dos evangélicos”. Contra quase essa osmose político-religiosa com as igrejas pentecostais, Russomanno tem uma vacina se necessária.
Faz poucos dias, o padre Marcelo Rossi procurou Celso Russomanno para convidá-lo para a missa que celebra em seu santuário em São Paulo. Na cerimônia, abraçou o candidato, disse que padre não pode fazer campanha eleitoral - mas rasgou elogios. Lembrou que celebrou o casamento de Russomanno e também o batizado de seu filho, Celsinho, e disse que "confia" nele. No fim, padre Marcelo deu a Russomanno a fita em que a cerimônia foi gravada. "Ele nos liberou para usar as imagens na campanha", diz Campos Machado (PTB-SP), coordenador da equipe eleitoral de Russomanno.
O convite à Russomanno veio depois da divulgação das imagens em que José Serra (PSDB-SP) aparece chorando em missa com ele. O último a comparecer no Santuário Mãe de Deus, na zona sul da capital paulista, de Marcelo Rossi foi o candidato do PMDB Gabriel Chalita. Também ele recebeu os afagos do padre cantor. Dentre os principais candidatos apenas Haddad não recebeu a deferência. A jornalista Mônica Bergamo informa que quando o candidato petista foi à missa, padre Marcelo não apareceu. Afirmou que "estava com dor de dente", segundo dirigente do PT.
Eleições difíceis para o PT e realinhamento de poder
O fenômeno Russomanno em São Paulo surpreendeu o PT que apostava num segundo turno contra José Serra (PSDB). A campanha do PSDB também não esperava essa situação. Uma possível derrota do PSDB e do PT no maior colégio eleitoral do país trará inflexões para o cenário de 2014.
As coisas estão difíceis para o PSDB e para o PT. O PT, porém, por ter em seus quadros a presidente do país e a maior liderança política do Brasil, o ex-presidente Lula, surpreende pelo pífio desempenho nas eleições. Até o momento, o partido lidera apenas a disputa municipal em Goiânia. Quem está se saindo bem no quadro mais geral é o PSB.
Na análise do jornalista Ricardo Kotscho o PT vai mal em todo o país. Na capital gaúcha, diz ele, “dois aliados do governo federal, PCdoB e PDT, disputam o primeiro lugar e estão praticamente garantidos no segundo turno. Lá o PT já sabe que não tem nenhuma chance, ao disputar a eleição com candidato fraco que ainda não passou de um dígito nas pesquisas”.
No Recife, comenta Kotscho, “o candidato do governador Eduardo Campos, presidente do PSB, que rompeu com o PT na cidade, disparou nas pesquisas e pode ganhar no primeiro turno, numa situação que parece irreversível para o senador petista Humberto Costa”. É a mesma situação, prossegue ele, “das capitais da Bahia e Sergipe, estados governados pelos petistas Jaques Wagner e Marcelo Deda. Em Salvador, o petista Nelson Pelegrino está a léguas de distância de ACM Neto, do DEM, mesmo partido de João Alves, que lidera com folga as pesquisas em Aracajú. Nas duas cidades, a eleição pode ser decidida no primeiro turno”.
Uma possível redenção do PT nas urnas são as eleições de São Paulo e Belo Horizonte. “Uma vitória em São Paulo compensaria as derrotas previstas em outras capitais importantes, mas a situação do candidato petista Fernando Haddad também é complicada”, destaca Kotscho.
Sobre a participação das “estrelas” do PT, Dilma e Lula, o jornalista diz que cada um tem a sua prioridade. “Dilma joga seu prestígio em Belo Horizonte, como fiadora da candidatura de Patrus Ananias, numa disputa bastante difícil contra Márcio Lacerda, apoiado pelo tucano Aécio Neves, que deve ser o candidato da oposição em 2014” e “Lula concentra todas as suas forças e popularidade na disputa em São Paulo para derrotar o PSDB em seu principal reduto, mas aqui surgiu um fato novo chamado Celso Russomanno, do PRB, que é aliado do governo federal”.
Porém, comenta Kotscho, a esta altura do campeonato, mesmo que quisessem e pudessem, o que Lula e Dilma terão dificuldade para reverter um quadro que o partido não enfrentava desde a sua chegada ao poder central em 2003. Conclui o jornalista: “Agora, não há mais muito o que fazer, a não ser esperar por milagres”.
No cenário das eleições municipais, o PSB desgarrou-se do PT e, particularmente no Nordeste tende a ter um desempenho bem melhor que o PT, como mostram tendências das pesquisas em Fortaleza e Recife. Em cidades que optou por alianças, o PT vai conseguindo a reeleição do candidato Paes do PMDB no Rio, porém vai se dando mal com o candidato do PDT Gustavo Fruet em Curitiba. Lá a grande surpresa se chama Roberto Massa Junior, mais conhecido como Ratinho Junior, filho do conhecido apresentador de programas no SBT. Com apenas 31 anos de idade e filiado ao pequeno PSC, Ratinho Junior vem desbancando o atual prefeito, Luciano Ducci (PSB), que busca a reeleição e tem como padrinho o governador Beto Richa (PSDB), e também o ex-deputado do PSDB Gustavo Fruet, agora no PDT e que tem o PT na vice.
Para piorar a situação, as eleições acontecem em pleno desenvolvimento do julgamento do “mensalão” pelo Supremo Tribunal Federal – STF. O julgamento e o abate de petistas históricos e os julgamento de outros que virão pela frente pode fragilizar o PT de Lula. A jornalista Rosângela Bittar comenta que o julgamento no STF pode significar um deslocamento de poder no PT.
No cenário do momento, destaca alguns integrantes do grupo do PT de Lula foram abatidos ou se encontram em situação complicada: José Dirceu, João Paulo Cunha (já condenado), José Genoíno, Delúbio Soares – todos arrolados no mensalão. Antonio Palocci foi para o limbo com a compra obscura de um apartamento milionário.
Por outro lado, comenta a jornalista, “no PT da Dilma, assim caracterizado para efeito de estabelecer um elo entre os integrantes do grupo com poder fortalecido, alistam-se Marcelo Déda (governador), Jaques Wagner (governador), Tião Viana (governador), Gleisi Hoffman (ministra), Ideli Salvati (ministra), Paulo Bernardo (ministro), Fernando Pimentel (ministro), Aluizio Mercadante (ministro), Alexandre Padilha (ministro), José Eduardo Cardozo (ministro)”.
Destaca que “há petistas com poder interno mantido, por enquanto, como o presidente do partido, Rui Falcão, que pertencem ao primeiro grupo, como há outros que, como Gilberto Carvalho, secretário geral da Presidência, que atuam no segundo grupo mas com uma função clara determinada pelo primeiro, a de representante pessoal do ex-presidente Lula no Palácio do Planalto”.
Na análise de Bittar, “o primeiro grupo tinha a articulação de um projeto a uní-los, o que não se repete no segundo. Palocci guardava um projeto de país na cabeça, o PT de José Dirceu existiu com metas e liderança. O outro PT, que vai sobrando do mensalão, não está amalgamado, é um somatório de projetos individuais, mas como boa parte dele está no governo, convencionou-se chamá-lo de PT da Dilma”. A jornalista interpreta que os acontecimentos do mensalão podem significar um realinhamento de poder no PT com a fragilização do “PT de Lula”. Essa interpretação, entretanto, precisa ser problematizada, uma vez que Dilma não mostra apetite para o jogo partidário.
A nota de Dilma em desagravo à Lula pelas críticas a ele endereçadas em artigo de Fernando Henrique chama atenção. O editorial do jornal Folha de S.Paulo em que pese a ojeriza que causa no conjunto da militância acertou ao comentar a nota de Dilma: “Não parece, mas sou petista e grata a meu antecessor. Eis a mensagem, rica em ambivalência, que emerge da crítica da presidente Dilma Rousseff ao artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicado no domingo passado, nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, diz o editorial.
A ambivalência é essa mesma, Dilma é do PT, mas não parece. O que é mais certo é Dilma ganhar voo próprio em função do seu estilo pragmático de governar, como também destaca o editorial do jornal: “Acabou o ambiente de milagre espontâneo que beneficiou Lula. A renda nacional não brotará mais da mera elevação dos preços dos produtos básicos que o Brasil exporta. Ou se amplia a oferta de bens produzidos aqui, o que pressupõe um salto de eficiência na indústria e no setor público, ou estaremos condenados a mais um ciclo longo de crescimento medíocre. Dilma Rousseff, aos solavancos, enxergou essa mudança porque está sentada na cadeira do piloto”.
Na análise do jornal, “a presidente tornou-se a mais decisiva e pragmática liderança do PT - entendeu que, do sucesso de seu programa de acelerar o crescimento, cujo pressuposto é infligir derrotas pontuais a interesses petistas e selar alianças novas e firmes com o empresariado, depende o futuro do partido no poder federal”.
É isso, o PT vai de Dilma em 2014, uma candidatura que nunca foi o sonho de consumo do PT, mas que ganha cada vez mais espaço no partido em função da fragilização do núcleo histórico do PT e do seu jeito pragmático de governar.
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